segunda-feira, 14 de março de 2011

DISCIPLINA BÍBLICA NA IGREJA

Continuação...

III. OS PASSOS DA DISCIPLINA ECLESIÁSTICA [Mt 18:15-20]

1.      Questões Preliminares e Importantes:

A.    É um pecado? [Se teu irmão pecar...]

De fato a questão é real, é fundamentada na Palavra como um pecado ou sou eu que estou imaginando, fantasiando, criando celeuma desnecessariamente. Avalie a realidade tendo em vista esclarecer, explicar, da direito de defesa pode ser simplesmente um mal entendido.  Há pessoas que são melindrosas e outras dadas a confusão e a intriga.

B.     É relevante? É grave?

É necessário? Mesmo sendo um pecado ele impõe um processo, sabendo que todo confronto é algo em si doloroso. Podemos relevar ou não? A Bíblia nos permite e até mesmo nos incentiva a relevar falhas menores, em vez de recorrermos à disciplina (Pv 10.12; 19.11; Rm 15.1; Fp 4.5; 1 Pe 4.8). O ofendido sente a necessidade de confrontar o ofensor. É bom para o ofensor ser confrontado? Considerações:

(1)   Falhas menores são atitudes e ações tais como aspereza, impaciência, murmuração, reclamação, negativismo, mesquinharia, ostentação, irritabilidade, falar demais ou falar em ocasiões impróprias, falta de confiança, ansiedade, falta de coragem, egoísmo, etc. Esses são pecados menores em comparação; porém, contrários às instruções bíblicas de que devemos ter consideração por outros, sendo pacientes, contentes, sempre agradecidos e alegres, prontos a perdoar, humildes, tardios para falar, tardios para nos irarmos, confiantes no Senhor, corajosos, abnegados, etc.

(2)    Caso uma falha menor seja considerada séria o bastante para tornar necessária uma abordagem pessoal, devemos ter um cuidado especial para levarmos em conta as palavras de Cristo sobre remover o “argueiro” no olho de nosso irmão, enquanto houver uma “trave” em nosso próprio olho (Mt 7.1-5).

(3)   É um comportamento repetido comum que esta desagradando as pessoas? Somente se uma falha menor se repetir frequentemente ou de modo tão perturbador, que cause dano à igreja, é que se deve tomar alguma medida que vá além de instrução, advertência e repreensão individual.

C.     É um pecado que pode ser confirmado?

Pecados que não podem ser confirmados são os que somente um membro tem conhecimento, além dos envolvidos na culpa. Além disso, são de uma natureza tal que se caracterizam como ofensas para as quais nada pode ser apresentado como prova. Por exemplo: insultos proferidos em particular, agressão física ou furto dos quais não se pode encontrar qualquer evidência física ou circunstancial; quebra de um trato verbal sem testemunhas,  conhecimento  pessoal do comportamento ilícito de um membro da igreja.

Em tais casos, pode ser necessário que a pessoa ofendida ou a única testemunha repreenda o culpado em particular. Contudo, se tal repreensão não for bem sucedida, e o indivíduo culpado não estiver disposto a admitir seu pecado aos demais, nada mais poderá ser feito pela igreja. O caso terá que ser entregue a Deus; não deve ser exposto a mais ninguém (Mt 18.16, cf. Dt 19.15; Pv 25.8-10). Deus é juiz e mesmo que a disciplina eclesiástica não o alcance [mediata] e divina e imediata o alcançará [I Co 11]
                                                                                                                           

2.      Ofensas de Natureza Pessoal

Ofensas de natureza pessoal são aquelas que acontecem entre dois crentes – mais especificamente, entre dois membros de uma mesma igreja. Ofensas pessoais podem ser definidas como “qualquer comportamento pecaminoso por parte de um membro que prejudique a outro”. Por exemplo: insultos, calúnia, violação de confiança ou trato pessoal, abuso físico ou sexual, adultério, agressão física, furto, vandalismo, etc. Em tais situações, a pessoa ofendida deve seguir as instruções de Mateus 18.15-17:

A.    Passo1: Abordagem Individual [Contato Pessoal, pessoa a pessoa]

A confrontação é uma tarefa cristã e dever ser feita. Não devemos esperar que a parte ofensora venha pedir perdão, se assim resolver-se-ia as ofensas pessoais mais rápido possível. Jesus ensina que o ofendido deve tomar a iniciativa para ter uma conversa com o ofensor. Como deve ser esta conversa?

(1)   Particular [entre ti e ele só]

Ele deve primeiramente procurar a pessoa culpada e, em uma conversa particular, explicar o motivo da ofensa, procurando levá-la ao arrependimento (Mt 18.15).   É uma ordem que implica em movimento [vai está no imperativo], logo se você não tem coragem de assim fazê-lo [o que é errado] deve então por um ponto final no assunto. Portanto ninguém precisa saber não há necessidade de espalhar ou divulgar o assunto com terceiros.
É significativa a palavra que Jesus “argui-lo” que significa instruir, corrigir, confrontar também pode ser traduzido como “trazer a luz, expor, esclarecer, estabelecer”.  É um termo usado para descrever o ministério do Espírito Santo [convencer - Jo 16:8] Assim antes do confronto é necessário pedir o auxílio do Espírito que possui este ministério de confrontação.

(2)   Em amor

Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto. Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos. [Pv 27:5-6]

Não aborrecerás teu irmão no teu íntimo; mas repreenderás o teu próximo e, por causa dele, não levarás sobre ti pecado. [Lv 19:17]

Há uma possibilidade real de resolvermos a questão em amor, “ganhaste a teu o irmão. Há um possibilidade real dele reconhecer seu erro e arrependido pedir perdão, restaurando o relacionamento, geralmente o relacionamento tende a ser fortalecido. Mas mesmo fazendo a abordagem individual e em amor Jesus não garante que teremos sucesso, ele pode não ouvir.

B.     Passo 2: Admoestação Testemunhal ou Privada

No caso de o ofensor não atender à confrontação individual, Jesus ordena que haja admoestação privada (v. 16). Jesus afirma que as outras pessoas envolvidas nesse processo serão testemunhas. O propósito delas não é a intimidação do ofensor porém, o de conscientizá-lo quanto aos prejuízos de sua atitude para com a comunidade do corpo de Cristo. Em outras palavras, nosso pecado traz consequências pessoais e coletivas.

(1)   Para tratar com objetividade e imparcialidade a situação

Isto é uma referência à prática vetero-testamentária de não se condenar alguém com base apenas em uma opinião pessoal (ver Nm 35.30, Dt 17.6 e 19.15). Com isto, a objetividade do caso é preservada, o que diminui as chances de injustiça, e o ofensor é beneficiado.

Por depoimento de duas ou três testemunhas, será morto o que houver de morrer; por depoimento de uma só testemunha, não morrerá. [Dt 17:6]

(2)   A natureza destas testemunhas

Serão testemunhas do problema ocorrido, ou testemunhas do contato que está sendo realizado? Creio que não são testemunhas do problema, pois se o fossem a questão já seria pública e não limitada às duas pessoas, como indica o v. 15. São pessoas que deverão testemunhar e participar do encaminhamento do processo de disciplina, da exortação, do aconselhamento, objetivando que o faltoso "ouça". Não são testemunhas silentes. O verso fala do "depoimento" delas.
(3)   Até onde vai este passo?

Quando é a hora certa de passar do passo 1 ao passo 2? Devemos pedir a Deus discernimento e sabedoria para ver quando não há mais progresso no contato individual e está caracterizado que a parte ofensora não "quer ouvir". O caráter sigiloso permanece.

C.     Passo 3: Pronunciamento Público na Igreja

O versículo 17 apresenta uma mudança enorme no encaminhamento da questão. O faltoso recusou a admoestação individual e a conjunta de dois ou três membros. Jesus, então, determina: "... se ele não os n atender, dize-o à igreja...". O "dizer à igreja", significa relatar à Assembléia. A continuidade da frase, neste mesmo versículo, mostra que o propósito de "dizer à igreja" continua sendo o da admoestação. Não é só uma questão de veicular notícias, mas a de visar a exortação do ofensor, que agora será feita "pela igreja". Infelizmente, muitos pecados públicos e já amplamente divulgados no seio da comunidade só são tratados a partir deste estágio. Muitas vezes aqueles mais próximos ao faltoso deixaram de aplicar os passos 1 e 2, ao primeiro sinal da ofensa. A igreja é, então, surpreendida com o pecado realizado, divulgado e comentado, restando aos oficiais apenas tomar o processo a partir deste passo. Humanamente falando, quem sabe pecados maiores não teriam sido evitados se a abordagem individual, prescrita por Jesus, tivesse sido realizada.
Tal proceder nunca é violação de segredos, pois o ofensor deliberadamente recusou os caminhos prévios do arrependimento. Diante de tal pronunciamento cada membro do corpo de Cristo deve orar pelo pecador, evitar comentários desnecessários (2 Ts 3.14-15) e vigiar a si próprio (1 Co 10.12).


D.    Passo 4: Exclusão Pública

O último recurso da disciplina é o da excomunhão, na qual o ofensor é privado de todos os benefícios da comunhão. Nesse caso, o ofensor é tido como gentio (a quem não era permitido entrar nos átrios sagrados do templo do Senhor) e publicano (que eram considerados traidores e apóstatas: Lc 19.2-10). Com estes não há mais comunhão cristã, pois deliberadamente recusam os princípios da vida cristã (1 Co 5.11).
A recusa no atendimento às admoestações, a atitude de arrogância e desafio às autoridades, retratada em 2 Pe 2.10-11 e Judas 7-8, devem levar o faltoso à exclusão da igreja visível. Somente evidências de arrependimento e conversão real poderão restaurar essa comunhão cortada pela disciplina. Com essa exclusão vão-se também os privilégios de membro, como a participação na Santa Ceia, e os demais.
Jesus demonstra a necessidade de respaldar essa drástica atitude na sua própria autoridade e na do Pai. Isso ele faz nos vs. 18-19, mostrando o seu acompanhamento e o do Pai, nas questões da igreja que envolvem a preservação de sua pureza. Ele fecha essas instruções com a promessa de sua presença na congregação do povo de Deus (v. 20). Essas são palavras de grande encorajamento para que a igreja não negligencie a aplicação do processo de disciplina em todos esses passos.
É claro que cada um desses passos envolve dor, tempo, amor e transparência. Nenhum deles é agradável e eles só prosseguem diante de dureza de coração do ofensor, ou seja, a recusa ao arrependimento. Há porém o conforto de saber que a presença e o poder de Jesus são reais mesmo no contexto desse processo (Mt 18.19-20). Assim, a disciplina eclesiástica "não é uma atividade a ser realizada facilmente, mas algo a ser conduzido na presença do Senhor."(12)

Conclusão:

Quero concluir com algumas implicações teológicas por parte do Pr. Valdeci da Silva:

A. Disciplina e a Adoração Cristã

A verdadeira adoração "é a mais nobre atividade de que o homem, pela graça de Deus, é capaz.".(13)  A exclusiva adoração a Deus é um mandato divino (Mt 4.10 e Ap 19.10), é uma marca da fé salvadora (Fp 3.3), e deve seguir os princípios revelados por Deus em sua Palavra.(14)  Um princípio essencial da adoração cristã é o zelo pela santidade do nome do Senhor (Ex 20.7 e Mt 6.9). A negligência do povo de Deus quanto aos mandamentos do Senhor motiva os incrédulos a blasfemar o nome de Deus (Rm 2.24). Assim, o zelo pela santidade do nome de Deus implica diretamente no exercício da disciplina eclesiástica. Uma igreja adoradora e ao mesmo tempo tolerante para com o pecado no seu seio é uma contradição de termos e recebe a repreensão do Senhor (Ap 2.18-29).

B. Disciplina e a Santidade

Sendo que Cristo deseja sua igreja "sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5.27), a disciplina eclesiástica é altamente relevante, pois é um meio instituído por Deus para manter pura a sua igreja. O servo de Deus sempre deve almejar a pureza da noiva do Cordeiro (2 Co 11.1-3), mesmo diante da possibilidade da sua contaminação pelo mundo.

C. Disciplina e Evangelismo

A disciplina evidencia o amor cristão pelo pecador, ainda que esse pecador seja um dos membros da igreja. Esse amor pelo pecador cristão também reflete o amor da mesma pelo pecador incrédulo. A disciplina eclesiástica ressalta a seriedade do pecado. Sem a visão dessa seriedade, a igreja não é corretamente motivada a buscar a redenção do pecador. Há uma relação entre disciplina eclesiástica e evangelismo.
Uma igreja sem disciplina torna-se um impecilho para o avanço do evangelho. Essa relação vital entre evangelismo e disciplina é clara à luz de 1 Co 5.12-13. O evangelismo é dirigido aos que estão fora dos portões da igreja e que estão escravizados pelo pecado. A disciplina é dirigida àqueles que estão dentro dos portões da igreja e que estão se sujeitando ao domínio do pecado. Assim, ambos (evangelismo e disciplina) almejam a liberdade do pecador e a concretização do triunfo histórico da graça sobre o pecado na vida do mesmo (Rm. 6.1-23). Uma igreja sem disciplina proclama uma liberdade desconhecida, ou rejeitada, pelos seus próprios membros. Como diz Barnes, "há pouca vantagem em uma greja que tenta vencer o mundo se ela já tem se rendido ao mundo."(17) 

 Continua...

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